17 de novembro de 2016

Jardim sangrento



a gente cresce ouvindo que tem de se dar valor
que é preciso cautela, juízo e decência
porque o vento não perdoa a flor que vive sem pudor
porque a liberdade é uma substância sem consistência
quando se carrega o fardo de ser mulher

a gente cresce ouvindo que tem de se dar valor
sem ao menos entender o porquê de se encolher
já que aos olhos do mercado
o valor que a gente se dá
tem a validade de um papel amassado

e é um papel não amassado
que carrega o código do cadeado
de nossos corpos tão deformados
ainda que a gente grite
ainda que a voz não falhe

porque valha-me, é proibido a nós o prazer
a ele se equivale a dor e a dureza de não poder escolher
e o que antes era o deleite tem agora cheiro de morte
ou de nove ou mais meses lidando com a própria sorte

a gente pode até se dar valor
mas todas as minhas pétalas sabem
que qualquer pedaço de semente
é mais ser humano que eu.

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