31 de agosto de 2018

Você não conhece os olhos


Você diz que ama os olhos, que conhece os olhos mais do que ela mesma. Você olha nos olhos e enxerga pedido de socorro, então como ninguém mais enxerga o mesmo, você acredita ser o escolhido, o único que pode salvá-la. Ninguém mais enxerga por trás dos olhos. Não como você. É de você que ela precisa, mesmo sem saber. Afinal, ela não faz ideia de que está em perigo. Só você sabe. Você espera que ela veja que precisa ser salva e que veja sua função de importância nessa história. Você espera que ela veja que precisa de você, mais ninguém. Você espera. E fica. E enxerga pouco a pouco todas as coisas que ninguém mais enxerga. Impacientemente espera. E nada. Nada. Frustrado, você decide ir. Mas um poder quase divino te faz voltar antes mesmo que uma oração intermediária possa ser formada. Você fica de novo. Insiste. Talvez em algum momento ela vá entender. A espera é tortuosa, medíocre, insuficiente, agonizante. Não ser reconhecido da maneira como você merece machuca. Mas ela precisa de você mais do que você precisa de um corpo menos flagelado. Paciência. Mais espera. Talvez ela saiba tão pouco de si mesma que nunca vai entender sozinha. Você, que sempre buscou uma distância segura mas não a ponto de não poder observá-la até o fundo da alma, decide cutucar o ombro dela. Ela se vira e se depara com você em sua fantasia, da cabeça aos pés. O príncipe de cavalo branco. O bravo soldado fardado. O amor, como nos contos-de-fada. Ela olha com os olhos arregalados, os olhos que só você conhece, e acha aquilo curioso, mas não entende. Ela diz que é uma bela fantasia, mas que não faz o estilo dela. Você diz que são vestes normais e ela apenas ri. Você não entende. Não é uma fantasia. Você está ali, parado, pronto para ganhar o prêmio, e ela não lhe entrega nada. Você aumenta o tom de voz e ela recua, sem saber se deve ficar ou ir. Então você se aproxima e a chacoalha, esperando que ela ganhe clareza, você aperta o braço sem delicadeza, o riso se transforma em estranhamento, em falta de reação, em medo, em um grito, em um tapa que te força a parar. Ela pede pra que você vá embora e nunca mais volte. Borbulhando lágrimas de sangue, você vai. Pisando forte, você vai. Esbravejando a ingratidão dela para todos os cantos, você vai. Sentado na sarjeta, você apenas não entende. Não entende como ela pôde não precisar de você, tão contrária à maneira como você precisa dela. Em minutos ela passa, em sussurros que você não consegue distinguir, em risos que você se recusa a escutar. Você deseja que ela tropece e que seu nome seja o primeiro a sujar a boca dela. Ela cai e rala o joelho, mas você não sabe. Você não viu. E ela jamais chamou pelo seu nome. Você ainda não entende, talvez nunca entenda, mas você não conhece os olhos. E ela não precisa ser salva.

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