23 de agosto de 2022

quem desenhou o fim, quem desenhou a solidão?

como uma porta sanfona sensível ao vento, que abre, fecha, abre, fecha, abre, fecha. sozinha.

tudo se acabou aos poucos. um dia, você, obcecado com a ideia de ser o responsável pela minha vida (função que nunca lhe atribuí), se esqueceu de mim. me via, mas não me ouvia. parou de me contar histórias. me abandonou no porão da sua casa com a promessa de me trazer todas as joias preciosas do mundo. e eu não precisaria fazer nada. não precisaria me preocupar com nada. acontece que eu nunca pedi nada disso. o que me preocupava era ficar ali, trancada, atrás da porta que você mesmo fechou, sozinha, à espera de você.

e eu te disse. muitas vezes. você dizia "a porta não está trancada, pode abrir". girei a maçaneta e nada de você. você chorava, insistia. eu tentava de novo. foram meses e meses girando a maçaneta em vão. sozinha, à espera de você. trancada, atrás da porra que você mesmo fechou. e isso você covardemente chamou de amor.

até que me cansei de esperar. parei de precisar da sua casa. aproveitei a solidão, essa na qual você me colocou, pra entender quem eu era de verdade. então eu vi que não precisava mais de você. não precisava da dor que isso me causava. não precisava desse tipo de amor.

precisei ser corajosa. arranquei um pedaço do meu coração, saí pela janela e gritei "a porta está fechada". fui forçada a reconhecer isso sozinha. fui embora. 

por muito tempo, senti culpa por ter sido aquela que foi embora. por ter seguido minha vida, por ter chorado tão menos do que você depois que acabou de vez. fui obrigada a presenciar sua dor enquanto minha vida florescia, enquanto eu me descobria enquanto indivíduo, enquanto o amor mais puro surgia e me curava, e isso me trazia mais culpa.

mas quem foi embora primeiro foi você. quem gritou e se recusou a me ouvir foi você. você renunciou ao seu direito de me amar. eu só fui a pessoa que teve coragem suficiente pra reconhecer o fim, depois de muito tempo me libertando da dependência, da posição de passividade e incapacidade na qual você me colocou com suas paranoias patriarcais de que precisava ser o "homem da casa", aquele que passa o dia inteiro fora, longe, provendo o necessário. provendo o que eu nunca pedi. 

e mesmo sabendo de tudo isso, essa culpa permaneceu dentro de mim. essa culpa tornou sua presença um desconforto, porque sentia que a minha presença era um desconforto pra você. e agora, vejo que ela ocupou tanto espaço que mal percebi as feridas de abandono que ficaram comigo.

nada acabou bem, em uma conversa tranquila à beira do mar, como tentei me convencer de que teria sido, não fossem as circunstâncias. você sabe disso. eu sei disso. não foram necessárias palavras a mais. mantive o carinho, apesar das feridas, mas coloquei uma distância bem delimitada. construí minha casa longe de você. então por que te vejo na porta, levando pra si as pessoas que eu convidei? remexendo as feridas que você mesmo causou?

você desenhou o limite entre nós primeiro. depois, foi a minha vez. é a minha vez.

não quero fechar portas de novo e de novo. não quero esvaziar minha casa. não quero ficar sozinha. e é isso que a sua presença me traz: solidão.

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