20 de setembro de 2022

tangível

 eu não acho que o amor faça parte das coisas não-tangíveis. 

eu costumava dizer que o gostar se explicava por tudo aquilo que compõe as pessoas. os interesses, o jeito de falar, de ouvir, de enxergar, de significar, de existir no mundo. enquanto amar era maior, um mistério enérgico, cármico, algo que sentimos e não conseguimos colocar em palavras: não tangível. não me lembro exatamente onde eu li isso, mas me pareceu tão verdadeiro, tão ressoante com a menina que acreditava religiosamente na teoria do pó de estrela, que resolvi abraçar essa ideia que, sim, era bonita, mas igualmente traiçoeira. 

uma vez, enquanto pegava uma carona com duas mulheres desconhecidas, uma delas virou pra outra e disse que amar era uma escolha. uma escolha que ela tinha de fazer todos os dias, como um contrato que se renova a cada nascer do sol. revirei os olhos. achei a ideia absurda. pra mim, o amor era uma escolha única, que eu havia assinado uma só vez, porque era forte, consistente, porque não fazia parte do mundo palpável, embora eu o alimentasse com tudo que eu tinha. o amor era quase mágico.

mas se eu tinha tanta confiança nessa ideia, por que me incomodava tanto a visão de uma estranha? aquilo me assombrou por dias, meses, e pouco a pouco fui entendendo que era porque meu coração se identificava com o que havia sido dito. porque era uma verdade dura de se ouvir, já que isso seria admitir que a base do que eu considerava amor era mais frágil do que eu pensava e que seria cada vez mais pesado e cansativo e doloroso sustentar esse peso conscientemente.

se o amor era uma escolha diária, não teria como ser também um deus intocável. seria um paradoxo. escolhas se fazem de razão e emoção, e mesmo a emoção se constrói pelas nossas crenças, em um ciclo tão extraordinário quanto qualquer tipo de magia. mais, até.

hoje eu vejo que as coisas mais mágicas que eu já vivi e senti (e vivo e sinto) vieram (e vêm) nos meus momentos mais conscientes. quando eu soube (e sei) que o amor é visível, palpável e tangível. o amor tem rosto, cheiro, apetite, jeitos de ser, e pra continuar existindo, precisa ser observado. visto. ouvido. e as poucas coisas que não se explicam são como confete, que faz parte da cena como um elemento extra.

e mesmo o confete se vê. a magia é tangível, assim como o amor.

eu vejo.

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